Opinião:
“Quando o cargo vale mais que uma vida: prefeito assassino vai responder homicídio em casa”
O Tribunal de Justiça do Maranhão decidiu que João Vitor Peixoto Moura Xavier, prefeito de Igarapé Grande, acusado de executar o policial militar Geidson Thiago da Silva dos Santos com cinco tiros em plena vaquejada, aguardará julgamento em liberdade. Tudo dentro da lei. Mas a lei, quando se curva ao poder, vira uma caricatura de si mesma.
Não se questiona o direito à defesa. Questiona-se a facilidade com que um réu com mandato transforma uma acusação de homicídio em mera formalidade processual. O despacho que libera o prefeito exala privilégio: um perfume rançoso de Brasil oficial, onde o título de “excelentíssimo” lubrifica engrenagens que emperram para o cidadão comum.
Não se trata de atropelar o princípio da ampla defesa. Mas é impossível ignorar o cheiro de privilégio. A mensagem que salta do despacho é incômoda: o peso do cargo parece, mais uma vez, mais pesado que o da lei. Quando o réu é um prefeito, a engrenagem do Judiciário gira com uma lubrificação que o cidadão comum jamais experimenta.
Cinco disparos, testemunhas, uma briga pueril por farol alto. Um policial morto. E a corte, com serenidade quase clínica, conclui que a gravidade do crime não basta para manter a prisão. O que mais seria preciso? Dez tiros? Uma plateia maior? A execução em horário nobre?
Enquanto isso, anônimos definham em preventivas. O prefeito, não: troca a cela por uma tornozeleira, como quem troca de relógio. A proibição de frequentar bares soa como piada de mau gosto — um castigo social de boutique para um crime de sangue.
A toga pode citar artigos e incisos. Mas nas esquinas, a leitura é outra: a justiça inclina a balança quando quem atira carrega mandato e sobrenome influente. Essa percepção é tóxica. Corrói a credibilidade, alimenta o cinismo, autoriza a ideia de que o poder político é um passe livre para relativizar a morte.
Se o Judiciário não tratar este processo com a rapidez e o rigor que a brutalidade exige, ficará registrado não como um gesto de equilíbrio jurídico, mas como um ato de complacência. Mais um episódio em que a Justiça brasileira não se mostra cega, apenas míope — capaz de ver com nitidez quem ocupa o cargo e de piscar, cúmplice, para o poder.
Pela lógica fria de quem confunde rotina com justiça, o episódio passa por normal. Mas é, em essência, um escândalo travestido de procedimento, desses que obrigam o cidadão a respirar fundo e admitir, com amargor: no Brasil, a lei ainda carrega não apenas dois, mas incontáveis pesos e medidas.