A falta de regras claras sobre o rateio das sobras do fundo abre brechas para irregularidades e uso político do dinheiro que deveria fortalecer a educação básica
À medida que o ano se aproxima do fim, cresce a corrida de prefeitos e secretários de educação para definir o destino das chamadas “sobras” do Fundeb. O debate, que já se tornou rotina nos municípios, envolve não apenas a valorização dos profissionais da educação, mas também suspeitas de mau uso do dinheiro público e manipulação política em ano pré-eleitoral.
A Lei Federal nº 14.113/2020, que regulamenta o novo Fundeb, é clara ao estabelecer que no mínimo 70% dos recursos do fundo devem ser destinados à remuneração dos profissionais da educação básica em efetivo exercício. O problema começa quando sobram valores dentro dessa margem — o que, em tese, autorizaria o pagamento de abonos ou rateios para atingir o percentual.
Na prática, o que se vê é um terreno fértil para interpretações convenientes. Em alguns municípios, prefeitos utilizam o rateio como estratégia de aproximação política com servidores, distribuindo abonos de fim de ano sem critérios técnicos ou transparência. Em outros, os recursos são aplicados de forma duvidosa, mascarando gastos de custeio e até pagamentos indevidos.
Órgãos de controle, como o FNDE e os Tribunais de Contas, têm alertado para o uso indevido dessas sobras. O Fundo não prevê “divisão automática” de recursos e, segundo o próprio FNDE, o rateio só é legal se for comprovado que o município não alcançou os 70% mínimos exigidos pela lei. Além disso, o pagamento deve ocorrer dentro do exercício fiscal, com base em planilhas auditáveis e autorização expressa em lei municipal.
Em estados como Maranhão, Ceará e Alagoas, prefeituras aprovaram leis específicas para regulamentar o repasse, tentando se blindar de questionamentos jurídicos. Mesmo assim, o tema continua cercado de controvérsias. Em várias cidades, o rateio virou moeda de troca política, enquanto professores reclamam da falta de transparência e da ausência de critérios uniformes.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) orienta cautela. Segundo a entidade, o gestor que fizer rateio irregular pode ser enquadrado por improbidade administrativa, já que o Fundeb é um fundo de destinação vinculada, e qualquer desvio de finalidade caracteriza dano ao erário. O Ministério Público também tem monitorado casos em que sobras são usadas para inflar folhas salariais temporariamente, criando passivos futuros
A questão, no fundo, é de governança e ética pública. Sem transparência sobre como os valores são aplicados, o debate sobre valorização dos profissionais perde força.
O professor não é beneficiado por bônus eventuais, mas por uma política salarial justa e permanente. E a educação não avança quando seus recursos se tornam instrumento de favorecimento ou propaganda de gestão.
Em tempos de desconfiança institucional e escândalos recorrentes, o Fundeb exige vigilância redobrada. Valorizar quem ensina é essencial — mas fazê-lo com base em lei, critério e transparência é o que diferencia gestão pública de populismo disfarçado de gratidão.















