Nos últimos anos, prefeitos de todo o Brasil transformaram suas redes sociais pessoais em vitrines para divulgar obras, inaugurações e programas de governo. O que antes parecia uma estratégia moderna de comunicação agora pode custar caro. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento de que essa prática pode configurar promoção pessoal ilícita e gerar ação de improbidade administrativa.
Decisão de referência: REsp 2.175.480
Em 18 de fevereiro de 2025, a Segunda Turma do STJ julgou o Recurso Especial nº 2.175.480, autorizando o prosseguimento de uma ação de improbidade contra o ex-governador e ex-prefeito de São Paulo, João Doria. A decisão foi publicada em 21 de fevereiro de 2025.
O relator, ministro Teodoro Silva Santos, destacou que “a petição inicial da ação de improbidade só pode ser rejeitada quando não houver indícios mínimos do ato ilícito. Na hipótese sob análise, o acórdão do TJSP trouxe elementos incontroversos e suficientes para o recebimento da peça inicial.”
Segundo o acórdão, “o fato de Doria ter divulgado imagens publicitárias do programa Asfalto Novo em suas redes sociais configura indício de que a contratação da campanha teria como objetivo a autopromoção”. A turma também observou que “a verba aplicada em publicidade foi desproporcional, chegando a superar o valor aplicado na execução do programa de asfaltamento em determinado momento da gestão municipal”.
A corte frisou ainda que a Lei 14.230/2021 tornou explícito no artigo 11, inciso XII, que constitui ato de improbidade “utilizar publicidade institucional com recursos públicos para promoção pessoal de autoridade ou servidor público”.
Risco de improbidade e sanções
Quando servidores públicos ou recursos municipais são empregados para criar ou manter conteúdo em redes sociais particulares, a Justiça pode enquadrar o gestor por uso indevido de verba pública, sujeitando-o a perda de mandato, suspensão dos direitos políticos e multa.
Atuação do Ministério Público
Diante de suspeitas, o Ministério Público costuma expedir Recomendações para que o gestor interrompa a prática. Embora não tenham força de lei, se a orientação for ignorada, promotores podem ingressar com ações judiciais ou adotar medidas extrajudiciais para responsabilizar o agente político.
Casos em estados como Minas Gerais, Santa Catarina e Espírito Santo já resultaram em investigações, bloqueio de bens e ações civis públicas.
Comunicação oficial com limites
Especialistas em direito público lembram que prefeitos podem — e devem — informar a população, desde que respeitem critérios claros:
Utilizar perfis institucionais, e não pessoais.
Priorizar caráter educativo e informativo.
Evitar a presença destacada da própria imagem ou slogans de campanha.
O recado da Justiça
Para analistas políticos, a decisão no REsp 2.175.480 envia um aviso direto: a fronteira entre informar e fazer propaganda é cada vez mais vigiada. Em tempos de redes sociais, onde a popularidade se mede em curtidas, cabe ao gestor lembrar que o cargo é público, mas o marketing pessoal tem endereço privado — e, agora, risco jurídico certo.