“O governo quis calar o povo, mas acabou gritando sua própria renúncia.”
Kathmandu — Setembro de 2025
O colapso do governo de K. P. Sharma Oli, no Nepal, não foi apenas uma queda política. Foi o desmoronamento moral de um regime que, travestido de socialismo, impôs censura, miséria e autoritarismo a um povo já exausto de promessas ideológicas que nunca saíram do papel.
Oli, líder histórico do Partido Comunista do Nepal – Marxista-Leninista (CPN-UML), conduziu o país sob o discurso de justiça social e soberania nacional. Mas ao longo de seus quatro mandatos, o que se viu foi o oposto: concentração de poder, perseguição à imprensa, corrupção institucionalizada e uma juventude privada de perspectivas.
A explosão veio com a proibição das redes sociais — um ato desesperado de um governo que já não controlava mais as ruas, nem a narrativa. A reação foi imediata: protestos em massa tomaram Kathmandu e outras regiões do país. O que começou como resistência digital, transformou-se em um levante popular com consequências históricas.
Ao menos 19 civis foram mortos em confrontos diretos com as forças de segurança. Prédios públicos foram incendiados. A residência oficial do primeiro-ministro foi invadida e queimada. A Suprema Corte virou alvo de revolta. O símbolo máximo da democracia, o Parlamento, ardeu diante das câmeras do mundo. Até a casa da ex-primeira-dama foi destruída. O país entrou em colapso institucional
O modelo comunista adotado por Oli foi uma adaptação superficial de teorias marxistas a um contexto profundamente desigual e historicamente fragmentado. O que se vendia como revolução social tornou-se um aparato de manutenção do poder por meio da manipulação da máquina pública, da cooptação partidária e da repressão.
O partido de Oli sempre sustentou sua legitimidade em uma suposta defesa dos pobres. No entanto, os dados econômicos dos últimos cinco anos desmentem essa retórica: o desemprego juvenil disparou, a inflação corroeu salários, a migração aumentou — especialmente entre os jovens que passaram a buscar trabalho no exterior, em condições de semi-escravidão.
Enquanto isso, membros do alto escalão do partido ostentavam riqueza, influência e blindagem jurídica.
O estopim da crise revelou algo maior: o fracasso estrutural de um modelo ideológico que não se sustenta diante da realidade moderna. Foi a chamada Geração Z que tomou as ruas. Nascidos após a guerra civil, cresceram entre apagões de governo, promessas de estabilidade e o romantismo da revolução. Mas o que encontraram foi um Estado ineficaz, inchado e desconectado da realidade.
Essa geração — conectada, instruída e consciente — foi à linha de frente. Organizou protestos digitais, articulou ocupações e não hesitou em enfrentar a repressão militar. Quando Oli tentou calá-los cortando a internet, eles responderam com fogo nas praças.
Um sistema corroído por dentro
A renúncia de Oli, sob pressão internacional e militar, não encerra a crise. Apenas expõe as rachaduras de um sistema político cronicamente instável. O Nepal, em três décadas, acumulou mais de duas dezenas de primeiros-ministros, rupturas partidárias constantes e uma Constituição que falha em garantir governabilidade duradoura.
O uso do comunismo como ferramenta de controle — e não de libertação — levou o país ao seu limite. O discurso coletivista de “igualdade social” nunca passou da retórica. Na prática, o que se construiu foi uma pirâmide de privilégios com verniz revolucionário.
Uma lição para o mundo
O que aconteceu no Nepal deve ser estudado, não como um evento isolado, mas como um alerta. Quando ideologias radicais se institucionalizam, quando o Estado passa a servir ao partido — e não ao povo — a liberdade morre em silêncio, até que o grito das ruas irrompa com força suficiente para derrubar até o que parecia inabalável.
O Nepal não foi vítima de um erro pontual. Foi vítima de um projeto político que confundiu governo com doutrina, autoridade com opressão, e povo com massa de manobra.
Hoje, Kathmandu queima.