Condenação severa de manifestante suscita reflexão sobre os limites da atuação penal e o compromisso inafastável com os princípios constitucionais.
A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal que condenou a cidadã Débora Rodrigues dos Santos a 14 anos de prisão, em razão de sua participação nos lamentáveis episódios de 8 de janeiro, impõe uma necessária reflexão acerca da aplicação do princípio da proporcionalidade no âmbito penal e do papel moderador das mais altas cortes em uma democracia constitucional.
É inegável que a preservação da ordem democrática exige vigilância permanente, sobretudo em tempos de radicalização e ataques às instituições. Todavia, é justamente nos momentos de maior tensão que o Estado deve reafirmar seu compromisso com a ponderação, a razoabilidade e a moderação, sob pena de, inadvertidamente, vulnerar os próprios fundamentos que busca proteger.
A imputação a Débora, por atos como a pichação da estátua “A Justiça”, de crimes gravíssimos como golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, culminando em uma pena de rara severidade, revela uma interpretação jurídico-penal que, embora tecnicamente fundamentada, não deixa de causar perplexidade sob a ótica da justa medida entre conduta e sanção.
O Direito Penal moderno, herdeiro das conquistas iluministas, edificou-se sobre a premissa inarredável de que a resposta estatal ao delito deve observar a necessidade estrita, a adequação e a proporcionalidade, sob pena de degenerar em instrumento de arbítrio. Cortes constitucionais ao redor do mundo têm reiteradamente afirmado que o rigor excessivo é tão atentatório à dignidade humana quanto a leniência injustificada.
Neste contexto, o voto minoritário do ministro Luiz Fux, propondo reprimenda de 1 ano e 6 meses, com substituição por medidas alternativas, e a posição intermediária do ministro Cristiano Zanin, que sugeriu 11 anos, evidenciam que havia espaço legítimo para uma dosimetria penal menos draconiana, mais alinhada à natureza dos atos praticados e à ausência de violência pessoal.
Ao enveredar pelo caminho da punição exemplarizante, a maioria da Primeira Turma expõe a Suprema Corte a questionamentos inevitáveis sobre a calibragem do seu rigor e sobre o compromisso insubstituível com a garantia dos direitos fundamentais. A percepção pública de que a Justiça possa ser instrumento de afirmação política é corrosiva para a confiança nas instituições, cuja autoridade se funda na imparcialidade e na prudência.
O verdadeiro fortalecimento do Estado Democrático de Direito não se realiza pela retaliação exacerbada, mas pela aplicação serena, firme e equilibrada da lei, capaz de assegurar à sociedade que a Justiça, ainda que vigilante, permanece fiel aos valores da moderação, da equidade e do respeito irrestrito às liberdades públicas.
A democracia brasileira não se afirma pela retaliação, mas pela confiança renovada de que, mesmo nos momentos mais difíceis, suas instituições permanecerão submetidas, antes de tudo, à supremacia dos princípios que lhes dão sentido.
“Não podemos usar de inteligência artificial.”
“Nem apenas de Publique-se e cumpra-se”
“Aos nossos rigores da lei”