Em uma decisão que marcará negativamente a história da liberdade de expressão no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o Artigo 19 do Marco Civil da Internet — o único dispositivo legal que impunha um mínimo de equilíbrio entre liberdade e responsabilização nas redes.
Por 8 votos a 3, os ministros decidiram que as plataformas devem ser responsabilizadas diretamente por conteúdos considerados ilegais, mesmo sem decisão judicial. Uma mudança drástica que entrega o poder de censura a empresas privadas e rompe com um dos princípios mais importantes da democracia: o livre debate de ideias.
Censura terceirizada
O que o STF chama de “responsabilização” é, na prática, uma autorização para que as big techs filtrem, silenciem e excluam conteúdos com base em critérios muitas vezes obscuros. A decisão transforma redes sociais em tribunais particulares, onde algoritmos e interesses comerciais decidem o que pode ou não ser dito.
Ao contrário do que alegam os ministros, essa não é uma vitória contra o discurso de ódio ou o crime. É uma derrota para a liberdade. A remoção de conteúdos sem ordem judicial, com base em notificações extrajudiciais, significa abrir as portas para abusos, silenciamentos seletivos e perseguições disfarçadas de “moderação”.
O STF atropela o Congresso e a Constituição
A função de atualizar leis e criar mecanismos de controle digital é do Congresso Nacional, o verdadeiro representante da vontade popular. O STF, ao declarar inconstitucional o Artigo 19, se antecipa ao Legislativo, reescreve a legislação e reforça sua tendência cada vez mais intervencionista.
A Constituição assegura a liberdade de expressão como cláusula pétrea. Quando o Judiciário começa a relativizar esse direito com base em interpretações subjetivas e em nome de um suposto “bem coletivo”, estamos no limiar de algo perigoso: o arbítrio legalizado.
Não se combate ódio com censura
É evidente que crimes como racismo, pornografia infantil ou incitação à violência devem ser combatidos com rigor. Mas há um abismo entre coibir o crime e transformar a internet em um território de vigilância ideológica.
O que a Corte chama de “atos antidemocráticos” pode, amanhã, incluir críticas ao próprio Judiciário ou a figuras públicas protegidas por suas posições. Quando o que é considerado “discurso de ódio” passa a depender do viés de quem julga, toda opinião se torna vulnerável.
A neutralidade morreu
O Marco Civil da Internet, aprovado com amplo debate em 2014, consagrava a neutralidade da rede — a ideia de que todos têm o direito de se expressar, e que as plataformas são apenas mediadoras, não juízas. Ao enterrar o Artigo 19, o STF enterra esse princípio e inaugura a era da “internet vigiada”.
A decisão é, sobretudo, um recado aos brasileiros: cuidado com o que dizem. A liberdade, agora, depende da aprovação de moderadores terceirizados e algoritmos silenciosos. É o tipo de ambiente que serve bem a autoritários — e mal à democracia.
Liberdade não se negócia
O combate à desinformação não pode ser feito à custa da liberdade. A democracia se fortalece com mais debate, mais crítica, mais pluralidade — não com silenciamento seletivo. A decisão do STF é um retrocesso travestido de avanço. E como toda censura, começa com aplausos… e termina com silêncio.