O que a Justiça revelou em Turilândia não é um escândalo episódico. É sistema. É método. É o roubo institucionalizado dentro da casa do povo. Prefeito, vice-prefeita e os 11 vereadores investigados por organização criminosa e corrupção. Uma cidade administrada como caixa particular, sob a lógica de uma quadrilha estruturada e permanente.
Não houve disfarce. Desde segunda-feira, o GAECO e a Polícia Militar desmontam uma engrenagem que operava à vista de todos. Prisões em Turilândia e em São Luís atingiram vereadores, a vice-prefeita, operadores financeiros e um neurocirurgião apontado como agiota do esquema. Na casa do irmão dele, mais de R$ 2 milhões em dinheiro vivo. Isso não é detalhe. É assinatura.
Nesta quarta-feira (24), o cerco se fechou. O prefeito Paulo Curió, a primeira-dama, a ex-vice-prefeita, o marido dela e o contador da prefeitura se apresentaram à polícia. Não por consciência institucional. Por falta de saída.

O Ministério Público deu nome ao que já estava evidente: uma organização criminosa instalada no núcleo do poder municipal. Em menos de quatro anos, mais de R$ 56 milhões desviados. Não houve falha administrativa nem erro técnico. Houve pilhagem. Roubo planejado, sistemático e protegido pelo cargo público.
Desde 2021, segundo os promotores, um posto de combustíveis pertencente à ex-vice-prefeita Janaína Lima e ao marido funcionava como lavanderia do dinheiro público. A prefeitura pagava por abastecimentos inexistentes. Os valores retornavam ao prefeito, “legalizados” por notas frias. Um roteiro antigo, conhecido, repetido à exaustão.
A confissão mais devastadora não veio de um político, mas de uma servidora. A responsável pelos pregões eletrônicos, Clementina de Jesus Pinho, presa, afirmou que 95% das licitações eram fraudadas por ordem direta do prefeito. Noventa e cinco por cento. Não há margem para relativização. O processo licitatório virou encenação burocrática para legitimar o roubo.
Fraudava-se para saquear dinheiro, favores e vantagens. O erário foi convertido em balcão de negócios. Contratos públicos circularam como moeda de troca entre interesses privados. A prefeitura operou como cofre aberto. A Câmara não foi espectadora. Participou do saque, deu sustentação política ao esquema e ajudou a normalizar o desvio como prática administrativa. Quando não agiu, blindou. Quando falou, tentou justificar. Em ambos os casos, colaborou.

Cinco vereadores seguem foragidos. Outros seis cumprem prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Um Legislativo soterrado na lama. Uma Câmara que não fiscalizou porque estava ocupada demais participando.
Turilândia não é exceção. É sintoma. A dimensão do esquema, sua duração e a naturalidade da operação tornam insustentável qualquer tese de isolamento. O que veio à tona precisa ser apurado em outros municípios do Maranhão, com o mesmo rigor e sem seletividade.
A corrupção municipal deixou de ser desvio. Virou rotina administrativa. Não se infiltra no poder. É o poder. Redige normas para se blindar, frauda licitações para enriquecer, transforma câmaras em cartórios privados e prefeituras em fábricas de dinheiro sujo. Turilândia não caiu por acaso. Foi saqueada por quem jurou governar.

Tratar o caso como episódio isolado é mentira conveniente. O que existe é um modelo predatório, sustentado pela impunidade, pela covardia institucional e pela normalização do roubo. Enquanto isso, o dinheiro público some e os responsáveis posam como autoridades.
A questão que sobra não é quem roubou. Isso está exposto, documentado, incontestável. O ponto central é identificar quem continua saqueando sob a proteção da engrenagem estatal. Verba pública não evapora. Não se dissolve. Não se perde por acaso. É capturada, desviada, apropriada com cálculo e respaldo. Toda tomada indevida deixa rastros, digitais e uma cadeia de cumplicidades.
Quem se apropria deve responder. Sem verniz ético. Sem amparo burocrático. Sem escudos políticos. Sem o álibi gasto da ignorância conveniente.
Instituições que escolhem réus não produzem justiça. Produzem farsa.

E quando a população assiste a prefeitos e vereadores cínicos, ladrões fantasiados de autoridade, exibindo falsa virtude nas redes sociais , enquanto o povo enfrenta miséria , carência e abandono, o efeito é imediato: repulsa e desalento. É o retrato de um sistema que recompensa a impostura e pune quem ainda espera decência. Num país cansado de caos, fingir normalidade é mais um crime.

















