Quando o cargo mais alto dispensa o pudor republicano.
Não é normal que um ministro do Supremo Tribunal Federal pressione o presidente do Banco Central em favor de um banco privado. Não é normal que essa iniciativa se repita ao menos quatro vezes. Tampouco é aceitável tratar o episódio como irrelevante.
De acordo com reportagem publicada por Malu Gaspar, de O GLOBO, o ministro Alexandre de Moraes teria procurado o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para interceder em favor do Banco Master. O caso ganha gravidade adicional diante da informação de que a esposa do ministro, Viviane Barci de Moraes, mantém contrato de prestação de serviços com a instituição financeira por meio de seu escritório de advocacia.
O acordo previa pagamentos de R$ 3,6 milhões mensais pelo período de três anos, a partir de 2024, totalizando R$ 129 milhões. Trata-se de um valor fora dos parâmetros do mercado jurídico brasileiro, inclusive em contratos de grande porte, o que levanta questionamentos objetivos sobre razoabilidade e potencial conflito de interesses, especialmente pelo contexto institucional envolvido.
A evolução patrimonial da esposa do ministro, registrada nos últimos anos, completa o quadro. Embora o aumento de patrimônio, isoladamente, não configure ilegalidade, o crescimento associado a contratos milionários firmados com um banco sujeito à regulação estatal amplia o dever de esclarecimento. Em cargos de alta relevância na estrutura da República, não basta agir dentro dos limites formais da lei; é indispensável preservar a confiança pública.
O ambiente em que esses fatos se inserem agrava ainda mais a situação. O Banco Master entrou em colapso, seu controlador foi preso em operação da Polícia Federal e a liquidação da instituição foi decretada pelo Banco Central em tempo recorde. Vieram à tona relações com autoridades, integrantes do Supremo Tribunal Federal e lideranças do Congresso Nacional. Nada disso pode ser tratado como coincidência ou ruído secundário.
A discussão não é penal. É institucional. Não se trata, neste momento, de tipificação criminal, mas de decência pública, limites éticos e responsabilidade republicana. Fingir surpresa diante desse conjunto de fatos não é prudência. É desonestidade intelectual.
Quando contratos fora da curva, relações cruzadas e silêncio deliberado passam a ser tratados como rotina no topo do Estado, não há mais dúvida sobre o estrago causado. O problema deixa de ser circunstancial e vira método. A credibilidade institucional apodrece, a autoridade perde legitimidade e a confiança pública é esmagada pelo cinismo. Nesse cenário, cobrar explicações não é ataque, nem excessos retóricos. É dever mínimo diante da arrogância do poder. O que ameaça a democracia não é a crítica, é a ideia de que cargos elevados autorizam opacidade, blindagem e desprezo pelo escrutínio público. Nenhuma toga está acima da sociedade. Nenhum cargo concede imunidade moral. No Estado democrático, autoridade não é divindade, é responsabilidade. Ninguém pode ser deus.

















